domingo, 23 de novembro de 2008

Zóios, espêios d'alma

- E esses seus zóios tão grandes?

- Bem, certamente incha-lhes a cobiça pelas carnes firmes que de momento encontram-se-me às mãos, mas é certo entretanto que o tamanho avantajado traz também benefícios quando se trata de garantir que índoles ingênuas não desacreditem de minhas doces palavras. Em verdade, é reconhecido artifício biológico que tem por função assegurar que me tomem por inofensivo ao reconhecerem em mim características de mamíferos lactentes. Por outro lado, a amplificação do reflexo do próprio interlocutor tende a torná-lo vaidoso ao julgar encontrar em outrem a equivalência de seus próprios anseios, desarmando-o quando de seu inevitável afogamento em meu mar de devassidão. Há que se considerar também o desvio de atenção da boca, que se discreta em relação à conformação anatômica do todo, é por certo gigante na voracidade e urgência com que se presta a trinchar e devorar sucessivos corações de galinha...

- Ai que lindooooooooooo!


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

O nexo dos anjos


Tudo que havia era espaço. Na mente, na "alma", nos olhos.
Estes, de tão vazios, tornaram-se opacos, chegando a existir quem simplesmente não soubesse distinguir-lhes a cor. Enquanto uns os afirmavam azuis, outros os garantiam vermelhos.
Tanta neutralidade constituía seu ser, que pouco se lhe diferenciavam os meios com os quais ganhava o pão. Artes ou assassinato, política ou prostituição. A vida é pródiga em opções quando mantém-se a mente aberta.
Certo dia, em meio à eterna disputa entre esquerda e direita que usava para impulsionar-se, magicamente dissipou-se e ascendeu aos céus.
Amantes e ex-amantes vieram a público afiançar-lhe a angelicalidade, posto nunca ter sido possível discriminar-lhe o sexo.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Hansen e o romantismo alemão


“Entrou-me pela pele, consumindo-me por dentro.”


Descreveu como paixão o que o senso comum reconhece como lazarentice pura e simples.



Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Todo ser humano é besta


...alguns são incrivelmente bestas por períodos extremamente curtos, outros são suavemente bestas por tempo indeterminado. Muito embora sejam por vezes enfastiantes e freqüentemente tolos, são dois tipos comuns e de baixa periculosidade, não devendo, portanto, ser com eles despendida a nossa preocupação, e sim com os possíveis rebentos daí advindos. Pois, se acaso um espécime macho do primeiro tipo cruzar com uma fêmea do segundo tipo - ou vice-versa para ambos os casos - a humanidade corre sérios riscos de ter de aturar um ser híbrido, incrivelmente besta e por tempo indeterminado.

Em que pese o horror de simplesmente imaginar tal possibilidade, é meu dever adverti-los que, em verdade, existe outra ainda pior. O resultado desta cruza pode ser uma criatura que será suavemente besta por um curto período, para depois desembestar, deixando assim todo e qualquer tipo de besteira totalmente de lado para sempre.

Tais seres, porém, confinados em um mundo de eterna bestice, cedo ou tarde haverão de sentir-se muito solitários; obrigando-se então a passarem-se por simples seres humanos bestas, ao menos até encontrarem outros de sua mesma espécie para formarem alianças duradouras. É daí que surgem as verdadeiras e mundialmente reconhecidas "confrarias de metidos a besta"...


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Postagem original

sábado, 8 de novembro de 2008

Trechos do nada

O sucesso lhe veio tarde; após os cinqüenta; tornando-o num velho ridículo, que procurava suprir no presente as carências e complexos há muito desenvolvidos.


Pois empanturrar-se de Cupcakes não faria voltar o tempo, nem desaparecer o desprezo, a humilhação e as frustrações do passado, que tão fortemente moldaram seu caráter.


Assim, por detrás ou debaixo da fanfarronice que acreditava ser uma atitude jovial; por dentro e para além da dentadura sempre escancarada e das gargalhadas penosamente mantidas apesar da áspera realidade que calejara-lhe a pele e polira-o o espírito; ainda a mesma dor pungente de quando entre os doze e os quinze anos de idade constatara de forma indelével as limitações que o tornariam socialmente estéril.


Paulo Eduardo de Freitas maciel de Souza y Gonçalves

O sentido da vida

Ontem eu vi um cachorro ranhento, com grandes filetes amarelos escorrendo pelo focinho.
Meu avô, que era um homem grande e forte, e hoje está magro e fraco, as mãos maiores que a cabeça, me explicou que é uma cadela, que dorme nas vizinhanças e vai até o portão, se esfregar no cachorro sarnento dele, o Lupe.
O coitado do Lupe tinha tudo para se tornar um ótimo cão de guarda. Força, intrepidez, ferocidade, esperteza. Sabe-se lá em que altura da vida contraiu a doença que veio a debilitar seu corpo, consumir sua mente e torná-lo em um ser repulsivo ao toque humano.
Acho que ele está com raiva, e vai desgraçar a vida dessa cadela.
Hoje entrei no MSN, e cumprimentei todas as meninas e alguns dos caras com um amigável "daê gostosona". A maioria não respondeu. Duas ou três iniciaram uma conversação. E uma única me respondeu com soberba ofensiva: Me poupe!
Ela provavelmente será professora de português, ou inglês, ou espanhol, ou francês, mas seu orkut está cheio de erros gramaticais tão grotescos que espantariam qualquer visitante, não fossem as imagens em seu álbum, que mais eloqüentemente que mil palavras, gritam: MINHA BUNDA. MINHAS TETAS. MINHAS COXAS.
Sim, ela é uma gostosona.
E só.
Amanhã eu passarei o dia inteiro de ressaca, mandando links do blog para deus e todo mundo. Um pouco é mera propaganda, outro pouco é puro despeito. É verdade. Eu não dou a mínima para a deselegância de invadir o recesso do lar alheio e esfregar libelos libertários na cara dessa gente vagabunda e preguiçosa que trabalha pra caralho para pagar suas contas e acha que só isso compra o direito de tomar sua cerveja sossegado.
E embora minha postura filosófica de certa forma me obrigue a contestar afirmações de verdade absoluta como a encontrada no texto ali debaixo do meu, para efeitos de estilo assentirei à lógica que imputa ausência de sentido à vida.

Assim sendo, se a vida é sem sentido, e o próprio universo e eu mesmo também o somos, ninguém poderá me recriminar por um texto que é a imagem e semelhança de tudo ao seu entorno.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves


sábado, 1 de novembro de 2008

Fiança


Caminhar rumo ao horizonte sabendo que nunca se há de chegar, é avalizar a postura de quem professa a crença na distância como determinante do belo.


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Xaveco é lalo

Maçã esperta que era, desde a semente conhecia a antiga história que recomendava às melhores permanecerem no topo.
De seu recôndito galho - enquanto crescia - observava, analisava e concluía. Pois se faz necessário cautela, antes de aceitar plenamente antigas histórias.
Assim foi que presenciou o moço, intrépido e valente, galgar o topo da macieira, até, temerariamente alcançando a mais altiva e longínqua das frutas, mordê-la com avidez incontida. Para a seguir, guspi-la e exclamar displicentemente: - Está verde.
As melhores maçãs podem até ser as mais altas, mas nem sempre os melhores homens são os mais valentes.
Observou também a maçã que, madura e redonda, docemente esperava. Agüentando o quanto pôde, certo dia cedeu ao peso da própria maturidade e caiu ao solo. Foi devorada por um porco, que ao acaso ali passava.
Assim sendo decidiu-se a não estar nem lá nem cá. Manteve-se suculenta, porém acessível, na esperança de ser bem comida.
Certo dia foi colhida por bela e alva moçoila - não sabia que mulheres também comem maçãs? - mas resignou-se: Antes os pequenos lábios de uma jovem dama, que o desdém de um aventureiro, ou ainda a rudeza das mandíbulas de um porco.

A esperada mordida, no entanto, ainda não veio. Terminou seus dias num parque de diversões, entre tantas outras, vendida sob o nome genérico de "maçã do amor".

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Uma criança magrinha



Ele nem sempre fora assim, uma criatura tão escatológica.

Na infância, por exemplo, era tão pudico que nem guspir ele guspia. Claro que isso não fazia diferença alguma quanto ao enorme volume de ranho ou catarro que seu corpo produzia.

Diferente mesmo era seu corpo. Magro como um palito, ele quase não comia. Era de suas próprias secreções corporais que se alimentava.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves