domingo, 29 de junho de 2008

Eu era criança quando era pequeno

Estava vendo o filme do vizinho treze, mas não peguei direito a história, andando de lá pra cá entre telefones, hambúrgueres, internets e gentes dizendo sobre: “Ai Paulo! Você está depressivo!” “Ai Paulo, você está maníaco!” “Ai Paulo, você passa gelol no cu dos outros sem pedir por favor!”

Mas parece ser a história clássica sobre bullying, com um infeliz sofrendo todo tipo de indizíveis sofrimentos e humilhações e crescendo complexado e torto até que fica doidão e começa a matar por vingança, só que dessa vez com contornos ajaponesados ao invés dos tradicionais trocentos e um fuck you por minuto.

O sucesso desse tipo de filme – e prática – em sociedades altamente competitivas como a americana e a japonesa só pode ser considerado como efeito colateral das sucessivas experiências levadas a cabo por governos e iniciativa privada visando o desenvolvimento de cidadãos de alta performance e rendimento.

O pessoal vai amalucando sob tanta pressão, até que explode feito as Panex quando entupia a válvula de segurança; e azar do coitado que tiver que limpar a melecaiada que sempre acaba grudando no forro.

Tenho para comigo que esse tipo de vingança sempre depõe contra a pessoa que a efetua, mesmo quando muito bem executada. É que a linha que distingue entre o assassino frígido e calculista e o suicida recém desmamado querendo chamar atenção para seus problemas existenciais, virtualmente inexiste.

Assassinatos em série planejados e levados a cabo ao longo de diversos anos são indicativos da determinação e persistência do vencedor tanto quanto do enorme vulto adquirido por cada agressão sofrida, da incapacidade em lidar com os traumas daí advindos. O melhor modus operandi para a criança que sobreviveu para ficar grande o suficiente a ponto de ter vergonha de um frenesi de tiros, choro, baba, explosões e histeria.

De qualquer forma, é sempre coisa de gente de pouca fé, que não sabe caminhar sobre as águas porque foi criada sob a égide um deus-pai-todo-poderoso que espanta os lobos de em volta de seu rebanho porque não gosta de competição.

Esses dias tomamos café e ele me disse que eu posso falar palavrão.



Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Atração física

Eram como luzes dispersas. Massa em meio à escuridão e ao vácuo. E atraíram-se. E traíram-se. Ele bem mais do que ela, se é que é possível falar em gêneros, senão apenas em naturezas opostas.

Cômodo é ser o que se é simplesmente. Tanto quanto procurar uma mudança constante, por prazer ou vontade. Escolhas. Equivalências.

O que dói, incomoda e encanta, é a mudança obrigatória e virtualmente desnecessária. A energia inexplicável que atrai de forma sutil e fatal, ocasionando a quebra de ligações estáveis em nome de experiências fugidias, embora talvez, por certo, belas e excitantes.

Corpos celestes. Naturalmente atraentes ao ser humano esteticamente sensível, ou mesmo apenas curioso. Irresistíveis então, se animados pelo sopro da vida. Num universo onde tudo é a mesma coisa, os mais lindos amontoados de carbono.

"Tortura-me sob a luz do fogo de mil velas, e ainda assim, jurar-te-ei de pés juntos tratar-se sempre de física, nunca de amor."


Paulo Eduardo de Freitas maciel de Souza y Gonçalves

Postagem original acá

domingo, 22 de junho de 2008

O tal do tao

Entre dois problemas que se misturam, a verdade do universo e a prestação que vai vencer, eu invariavelmente escolho o primeiro. É uma aptidão natural, e embora os Replicantes advirtam, e as contas acumuladas pressionem, não há nada a ser feito quanto a isso.


É a velha história do limite entre dom e maldição, exaustivamente explorada em lendas como a do toque de Midas – atualmente análoga a algum tipo de toque midiático – ou também, ainda que indiretamente, nas baianices acaetanadas sobre a dor e a delícia de ser o que se é.


A ascensão da China a superpotência, assim sendo, longe de estancar-se em sua dimensão econômica, adquire contornos épicos, icástico-arquetípicos e até mesmo místico-proféticos em sua dupla caracterização: enquanto vendeta, qual lorde a cobrar sua dívida de sangue, e enquanto mais um lance da encarniçada disputa entre Oriente e Ocidente da qual a guerra de Tróia é, segundo especialistas, uma espécie de ponto de partida.


Trivialidades como a reconhecida superabundância de drogas dentro do território norte-americano ganham uma nova dimensão se considerarmos que quem domina o comércio mundial de entorpecentes são as tríades e tongs sediadas no império central. As próprias origens destas organizações não excluem a condição de que sejam, hoje em dia, quem dita as regras dentro do país. Somada às conseqüências da guerra dos boxers, e à suposta capacidade chinesa de transformar dor e humilhação em proporcionais resistência e vingança, temos então um inegável quadro de premeditada derrocada de um império.


Mesmo o parentesco étnico-lingüístico entre asiáticos e ameríndios poderia servir como justificativa para que sua ira se estendesse por sobre os algozes de seus “primos” para além da América anglo-saxônica. O que pode parecer exagero se aplicado a outras culturas, reveste-se de verossimilhança quando trata-se de uma civilização reconhecida pela preservação de suas tradições milenares, dentre as quais incluem-se – segundo podemos facilmente inferir – as técnicas de metempsicose descritas na obra As aventuras de Tibicuera.


Num processo de tal modo arriscado a ponto de governos estrangeiros utilizarem-se do controle da mente de mosquitos da dengue para faze-lo calar, é de se considerar o que pode fazer aquele que, para além do óbvio, enxerga em cada meandro da realidade sinais que revelam os padrões pelos quais opera a vontade universal.


Numa época boa, em que tudo lhe pareça alegre, talvez rir, reverberando de alguma forma em celebração ao absurdo do cotidiano invisível que nos estrangula passo a passo. Numa época ruim, legar ao mundo maldições apócrifas, na esperança de que sua concretização culmine em algum tipo de liberdade, redenção ou cândido esquecimento.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Da vida, o problema é viver


Fico em casa respirando.
Com dificuldade.
No fundo, dentro do peito
é o coração que me bate.


É meu sangue, fino e grosso
que escorre de dentro de mim
desaguando em velhos rios
que nunca mais terão fim.


Culpo o pecado e o vício
me debatendo a debalde,
mas sei desde o primeiro início:
No fundo, dentro do peito, é o coração que me bate.


Domingo é um dia ambíguo. Alfa e ômega, princípio e fim. Como ambígua é a vida. Como ambíguo é, forçosamente, o escritor.


O fecho se dá ao reverso, no primeiro início de uma tentativa talvez vã, mas não tão plena em alegrias ou decepções quanto se poderia supor de antemão.


Eu, que vivo para o nada, muito em breve voltarei ao pó. Das estrelas, o que me resta é essa insistência em brilhar para dentro.


Não fosse assim tão tímido, diria que toda vida, assim como todo orgasmo, não passa de uma súbita implosão...


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves


Postagem original

sábado, 14 de junho de 2008

Gatícia

Meu maior interesse na cidade nova era a gatinha da casa ao lado, que praticamente toda noite aparecia em minha porta.


Egoísta e egocêntrica, suas conversas resumiam-se a um “eu, eu, eu” incessante, replicadas por “eu, eu, eu” da minha parte. De birra, acabava por oferecer aquilo que ela inconscientemente almejava.


Com esta fêmea, pode-se dizer que exerci o charme mais habilidoso, conforme o aconselhado por especialistas na área. Dentro de algum tempo ela já comia em minha mão, embora certos atrevimentos tomados me tenham rendido algumas feridas, nem grandes, nem incômodas.


Pequenas janelas. Rasgos através dos quais enxergo dentro de mim. Por baixo da pele, uma segunda pele, mais macia, mais sensível, e de aspecto seguramente desagradável. Uma carne da qual também sou feito, por custoso que seja admitir.


Mais correto talvez fosse livrar-me do vício em remexer antigas feridas – cujo conteúdo escancaradamente repulsivo seria por si só motivo de evitá-las – ainda que o cuidado em remover apenas carne morta não acarrete dor alguma.


Creio ser por isso que hoje sinto tanta saudade da gatinha da casa ao lado, manhosa e interesseiramente enlaçando-se em minhas pernas, jovem e inocente demais para causar grandes estragos.


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Dá nada, eu tô bêbado

Ontem eu fui espancado pelo 2º Sargento Andrade, da viatura 4615 da RONE. Bem... espancado é força de expressão, foram uns dois ou três chutes e um tapa na cara, de mão fechada.


É que a polícia tem os métodos dela, e eu tenho os meus. Os dela consistem em abordar rapidamente, armas em punho, impondo o respeito pela força coercitiva do estado. Os meus consistem em beber o máximo possível do gole antes de eles quebrarem a garrafa...

E foi assim que entramos em divergência. Eles estavam fazendo o serviço deles, o sargento amestrando os recrutas, beber na rua é contravenção, merece que a garrafa seja quebrada; usar brinco é crime grave, por isso os companheiros tiveram que jogar os deles fora; olhar a identificação do policial então, deusulivre, merece soco na cara, como o que eu levei.

Pensando bem, saiu barato. Em São Paulo a gente é assassinado por ser gago... Além do que, ao que parece, nessas gerais algum sortudo sempre apanha. E eu acho que na situação dada, eles fizeram a melhor escolha. Era eu ou o Marquito, já que o Jean tem o coração fraco, perigava morrer no meio da ação, o Xico seduziu um policial e a essas alturas deve estar brincando de ligar a sirene, o Betão é meio doido, capaz de causar uma tragédia, e o calouro, de tão assustado só faltou cagar na calça.

Fiquei triste com duas coisas: o sargento ter me chamado de retardado e bosta o tempo inteiro, e a viatura não ser da COPE. Falta só uma geral da COPE pra eu completar minha coleção, mas parece que essa não é a função deles. Uma vez a gente até correu atrás da galera da COPE, gritando: - Tio! Ô tiooooo! Dá geral ne miiiiiimmmmmmmm! Mas qual o que! Esses policiais são treinados pra serem insensíveis.

Um dia desses, se eu cruzar com o 2º Sargento Andrade em algum lugar, vou sorrir gentilmente e lhe oferecer uma flor, em gratidão pela noite emocionante e por me proporcionar o mote de meu texto dominical. Obrigado 2º Sargento Andrade.

E encerrando a minha modesta participação, eu gostaria de contar uma piada, de minha co-autoria: Cidão, o selvagem da motoca lôca, parado numa blitz, leva um esporro, por guiar perigosamente, e sem capacete. Na tentativa de justificar-se, uma única frase: - Dá nada seu guarda, eu tô bêbado.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves







sábado, 7 de junho de 2008

Demasiado humano

Se errar é humano e insistir no erro é burrice, um tipo de genialidade talvez consista em transbordar humanidade a cada nova decisão.


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Homeomorfismo empírico

Encontrei a resposta para uma pergunta que há muito me atormentava escutando Real Wild Child enquanto lavava a louça.


Minha dúvida dizia respeito ao que faz com que certas pessoas, aparentemente em pleno domínio de suas faculdades mentais, escutem a todo volume certos tipos de axé, pagodões ou funk.


Não me refiro a bailões ou festerês nervosos, pois aí a resposta seria evidente. O apelo exercido por algumas dúzias, centenas ou milhares de corpos rebolativos e suados sobre a libido humana é cientificamente comprovado e virtualmente irresistível.


A grande questão trata do sujeito que, em casa ou no trabalho, durante suas tarefas rotineiras, se compraz em “tuchar no último” algum dos gêneros ou subgêneros supracitados. Uma tentativa inconsciente de reviver bons momentos horizontalmente passados? Uma tentativa consciente com o mesmo fim? Uma tentativa, cons ou inconsciente de reviver bons momentos verticalmente passados? Ou a cândida ignorância de quem, por absoluta falta de opção ou discernimento, acredita estar em contato com o supra-sumo de algum tipo de arte?


O que eu descobri lavando a louça naquela tarde foi que, seja por excessiva carga hormonal ainda no útero materno, seja por massiva exposição à mídia ou hipersensibilidade aos valores contemporâneos, eles são assim. Qualquer motivo é desculpa para pular, gritar expansivamente ou esfregar-se com lascívia pelas paredes e o teto.


Assim como eu, da mesma forma e por motivos similares, tenho o incontrolável pendor a derrubar paredes e tetos; alçar aos céus em altas velocidades; encolher pessoas e roubar sua essência...; se possível, utilizando apenas o poder da minha mente, e ainda que na maior parte das vezes, apenas no âmbito desta.


A imagem recorrente era de uma dona de casa ou diarista, calção de lycra e camiseta do Brasil pentacampeão, balançando ritmadamente as ancas em frente à pia ao som do Tchan.
Há que se crer que o auto-conhecimento é oriundo da prática.


Paulo Eduardo De Freitas Maciel de Souza e Gonçalves

Originalmente postado aqui

domingo, 1 de junho de 2008

Sinopse - Jack, o estripalhão

Didi Mocó interpreta um cearense que vai à Londres recuperar sua peixeira de estimação.




Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves