Já há algum tempo que eu não saía pela manhã, ou sequer acordava antes do meio dia. Pelo menos não com essa freqüência. Mas o ritmo e as imposições sociais modernas são abominações tais, que por vezes renunciamos a nossos princípios e ao que nos é natural, em nome de posições que nos possam garantir sobrevivência e conseqüente esperança de perpetuação da espécie.
O que estou querendo dizer é que arranjei um emprego, e que a sensação de acordar cedo e enxergar o sol fustigante e opressor lá em cima é deveras estranha, seja pela falta de hábito e pelo ambiente desconhecido em que me encontro, seja por minha reconhecida animosidade quanto a astros, reis e congêneres.
E embora a culpa não seja da estrela, e sim da humanidade que por milênios carregou de simbolismo estúpido a sua figura, em geral deixo que sobre aquela recaiam meus impropérios, uma vez que tanto faz dirigir-se a um ou outro objeto inanimado.
Afinal de contas, há figura mais arrogante e presunçosa que a do sol, sentado nos cimos do trono celeste com sua bunda dourada, fustigando nossos lombos dia após dia com seus raios, os quais têm a indubitável função de nos relembrar constantemente que é a sua divina dádiva que nos permite existir enquanto seres vivos produtores de merda e mijo?
E antes que me acusem de suposta heresia, tentando esfregar em minha cara uma moralidade que nada me significa e a qual abandonei há muito, relembro a eventuais detratores que não sou eu quem se utiliza da superposição de meu ego sobre a natureza para justificar uma situação de confortável injustiça largamente reconhecida e convenientemente sustentada através de mitos e representações hipócritas e tendenciosos. Ao menos não em larga escala...
Chegará o tempo em que conjunções propícias permitirão que das mais abissais profundezas dos recônditos onde reina o fogo preto, surja a botina que bicudeará a simbólica bunda do simbólico trono, bicudeando por extensão as bundas de todos os seus seguidores. E minha será a botina, e minhas serão honra e glória.
E atravessaremos a noite eterna em diversões frias porém não frívolas, sem nos preocuparmos em dormir ou acordar.
Posto que sou um cristão e como tal me comunico por parábolas.
Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves