sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Parábola de sol e trevas

Já há algum tempo que eu não saía pela manhã, ou sequer acordava antes do meio dia. Pelo menos não com essa freqüência. Mas o ritmo e as imposições sociais modernas são abominações tais, que por vezes renunciamos a nossos princípios e ao que nos é natural, em nome de posições que nos possam garantir sobrevivência e conseqüente esperança de perpetuação da espécie.

O que estou querendo dizer é que arranjei um emprego, e que a sensação de acordar cedo e enxergar o sol fustigante e opressor lá em cima é deveras estranha, seja pela falta de hábito e pelo ambiente desconhecido em que me encontro, seja por minha reconhecida animosidade quanto a astros, reis e congêneres.
E embora a culpa não seja da estrela, e sim da humanidade que por milênios carregou de simbolismo estúpido a sua figura, em geral deixo que sobre aquela recaiam meus impropérios, uma vez que tanto faz dirigir-se a um ou outro objeto inanimado.
Afinal de contas, há figura mais arrogante e presunçosa que a do sol, sentado nos cimos do trono celeste com sua bunda dourada, fustigando nossos lombos dia após dia com seus raios, os quais têm a indubitável função de nos relembrar constantemente que é a sua divina dádiva que nos permite existir enquanto seres vivos produtores de merda e mijo?
E antes que me acusem de suposta heresia, tentando esfregar em minha cara uma moralidade que nada me significa e a qual abandonei há muito, relembro a eventuais detratores que não sou eu quem se utiliza da superposição de meu ego sobre a natureza para justificar uma situação de confortável injustiça largamente reconhecida e convenientemente sustentada através de mitos e representações hipócritas e tendenciosos. Ao menos não em larga escala...
Chegará o tempo em que conjunções propícias permitirão que das mais abissais profundezas dos recônditos onde reina o fogo preto, surja a botina que bicudeará a simbólica bunda do simbólico trono, bicudeando por extensão as bundas de todos os seus seguidores. E minha será a botina, e minhas serão honra e glória.
E atravessaremos a noite eterna em diversões frias porém não frívolas, sem nos preocuparmos em dormir ou acordar.
Posto que sou um cristão e como tal me comunico por parábolas.
Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Incrível testemunho de um sobrevivente das Brigadas Leves Ossowiecki

Muitos se diziam corajosos, mas apenas nós esperávamos os ataques nucleares por de sobre os laranjais.

As aeronaves sucedem-se assim como os lapsos. Talvez eu houvesse viajado, talvez seja apenas a doença a desajuizar-me a mente.


Naqueles dias melancólicos, em que a certeza da morte se fazia mais presente no espaço entre cada respiração, nossa principal distração era possuir as mulheres uns dos outros.


Fazíamo-lo publicamente, por vezes na presença dos cônjuges, tanto por desprezo à hipocrisia social reinante na velha ordem, quanto como oferenda ás forças caos, que tesmunhando a atitude de renúncia e desapego daqueles que entregavam a outros aquilo que mais diziam amar, talvez nos julgassem dignos de sobreviver ao momento crítico pelo qual passávamos.

Seja qual for o motivo, aparentemente funcionou. Sobrevivemos ao cataclismo donde não restaram nem mesmo as baratas.


Éramos jovens e inconseqüentes, e deixávamos a proteção dos abrigos para nos camuflar entre os laranjais, abatendo os avíões inimigos sem nos importar que sua aparelhagem pudesse denunciar nossa posição ao captar as sucessivas descargas psicocinéticas.
Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Comunicação direta

Já faz algum tempo que percebi que a chave da transcendência é imaginar o inimaginável. Claro que isso é impossível, há um paradoxo intrínseco à proposição. Mas como vem sendo insinuado desde a aurora da humanidade, de vez em sempre a grande recompensa em uma jornada é o caminho percorrido, não o destino a que se chega.
Neste caso específico, isto significaria que o exercício de tentar imaginar o inimaginável é mais importante que a resposta a ser alcançada através de sua prática. Isso porque tal "técnica" nos induz a um estado mental similar ao de "mente vazia" considerado ideal por espadachins e duelistas em geral, quando no desempenho de funções e/ou hobbies.
Ao que parece, o efeito para o praticante é uma liberação da consciência, permitindo que corpo e mente ajam simultaneamente, sem interferências de qualquer ordem. No dia a dia, sua utilidade seria especialmente sentida em coletivos lotados, onde invariavelmente um infeliz - no mais das vezes estudante - se coloca às minhas costas com uma mochila aos ombros.
Apenas quando a sabedoria e engenho acumulados por nossa civilização atingissem um grau tal que nos permitisse a invenção de um transcendenciômetro, poderíamos talvez vislumbrar a magnitude do processo por que passa um indivíduo que, corpo e mente funcionando em perfeita sintonia, menos do que apercebendo-se que o corpo humano é similar a uma pirâmide invertida - com o tronco ocupando volume significativamente maior do que as pernas - instintivamente transferisse seu fardo das costas para a mão, minimizando assim o óbvio desconforto que a sua parca percepção tem por efeito causar àqueles a sua volta.
Um cidadão razoável certamente poderia tentar acelerar o evento, verbalmente comunicando a situação ao ser atravancante. Eu porém, sigo os preceitos milenares de antiqüíssimas civilizações orientais, as quais, mui corretamente, nos legaram o popular adágio: "uma cotovelada na nuca vale mais que mil palavras".

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves