segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Ao passar das horas

É na passada das horas


que o tempo tudo desfaz


nos esvaímos embora


deixando algo pra trás.


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Postagem original

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Artes Circênicas



Enquanto todos se enlameavam tentando manter imaculada a sua auto-imagem, Sissi flertava com o caos.


De puta-bruxa a santa-maconheira, sempre pobre. E: - Oh, mãezinha!, quando lhe achavam rapazote.


Seu segredo era sempre dizer a verdade. E já que “a verdade” são múltiplas...


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves




terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pão e carne


Chupão na virilha é sinal de compromisso em certas culturas. Hoje sei perfeitamente, mas naquela época eu era jovem e inexperiente nesses assuntos de amor, e nem desconfiava que a mulher no chuveiro já me considerava sua propriedade.
Eu dormia inocentemente, sonhando que minha avó fritava pastéis para o almoço enquanto eu me refestelava no sofá da sala, sob o sol que entrava pela janela esquentando a minha cara. Foi duplamente estranho acordar no quartinho do hotel. Por um lado, fiquei triste ao me dar conta que não haveriam pastéis para comer, por outro, feliz em relembrar que nem só de pão o homem viverá.
É minha vez de tomar banho, e eu deixo minhas roupas sobre a cadeira. Saio do banheiro buscar xampu, bem a tempo de ver a doidona trancar a porta e sair vazada com toda a sua bagagem. Mais as minhas roupas. Minha inexperiência não se estende a outras áreas, tais como arrombamentos, e em pouco tempo eu estou pelado no corredor, procurando por algum funcionário ou hóspede que me descole um xampu.
O cara da portaria me arranjou uma calça, um par de chinelos e uma camiseta velha, curta demais para mim. O quarto está pago até a uma hora da tarde de amanhã, e eu resolvo passar a noite e esperar pelo café grátis a que os hóspedes têm direito todas as manhãs.
Lá pelas sete da noite, ouço um barulho na porta quando a guria está voltando, vermelha e ofegante com o esforço de carregar sozinha toda a bagagem.
- Onde você foi?

- Comprar passagens de volta.

- E pra que levar minha roupa?

- Sou ciumenta. Vai que você foge?

- E pra que levar suas malas?

- Sou desconfiada. Vai que você me rouba?

- Tudo bem, você está certa. O negócio é esperar até amanhã, e tchau.

- Não. Você vai comigo. E mostra que tem duas passagens para sua terra.
Ciumenta, desconfiada, impulsiva e possessiva. Fico pensando num jeito de dopar essa guria e levar embora todos os seus pertences. E roupas. Mas talvez, se ela estiver disposta a me sustentar, seja uma boa idéia perder uns dois ou doze anos ao lado dessa magrona.
Mas isso eu decido só amanhã, depois do pão com mortadela.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

domingo, 23 de novembro de 2008

Zóios, espêios d'alma

- E esses seus zóios tão grandes?

- Bem, certamente incha-lhes a cobiça pelas carnes firmes que de momento encontram-se-me às mãos, mas é certo entretanto que o tamanho avantajado traz também benefícios quando se trata de garantir que índoles ingênuas não desacreditem de minhas doces palavras. Em verdade, é reconhecido artifício biológico que tem por função assegurar que me tomem por inofensivo ao reconhecerem em mim características de mamíferos lactentes. Por outro lado, a amplificação do reflexo do próprio interlocutor tende a torná-lo vaidoso ao julgar encontrar em outrem a equivalência de seus próprios anseios, desarmando-o quando de seu inevitável afogamento em meu mar de devassidão. Há que se considerar também o desvio de atenção da boca, que se discreta em relação à conformação anatômica do todo, é por certo gigante na voracidade e urgência com que se presta a trinchar e devorar sucessivos corações de galinha...

- Ai que lindooooooooooo!


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

O nexo dos anjos


Tudo que havia era espaço. Na mente, na "alma", nos olhos.
Estes, de tão vazios, tornaram-se opacos, chegando a existir quem simplesmente não soubesse distinguir-lhes a cor. Enquanto uns os afirmavam azuis, outros os garantiam vermelhos.
Tanta neutralidade constituía seu ser, que pouco se lhe diferenciavam os meios com os quais ganhava o pão. Artes ou assassinato, política ou prostituição. A vida é pródiga em opções quando mantém-se a mente aberta.
Certo dia, em meio à eterna disputa entre esquerda e direita que usava para impulsionar-se, magicamente dissipou-se e ascendeu aos céus.
Amantes e ex-amantes vieram a público afiançar-lhe a angelicalidade, posto nunca ter sido possível discriminar-lhe o sexo.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Hansen e o romantismo alemão


“Entrou-me pela pele, consumindo-me por dentro.”


Descreveu como paixão o que o senso comum reconhece como lazarentice pura e simples.



Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Todo ser humano é besta


...alguns são incrivelmente bestas por períodos extremamente curtos, outros são suavemente bestas por tempo indeterminado. Muito embora sejam por vezes enfastiantes e freqüentemente tolos, são dois tipos comuns e de baixa periculosidade, não devendo, portanto, ser com eles despendida a nossa preocupação, e sim com os possíveis rebentos daí advindos. Pois, se acaso um espécime macho do primeiro tipo cruzar com uma fêmea do segundo tipo - ou vice-versa para ambos os casos - a humanidade corre sérios riscos de ter de aturar um ser híbrido, incrivelmente besta e por tempo indeterminado.

Em que pese o horror de simplesmente imaginar tal possibilidade, é meu dever adverti-los que, em verdade, existe outra ainda pior. O resultado desta cruza pode ser uma criatura que será suavemente besta por um curto período, para depois desembestar, deixando assim todo e qualquer tipo de besteira totalmente de lado para sempre.

Tais seres, porém, confinados em um mundo de eterna bestice, cedo ou tarde haverão de sentir-se muito solitários; obrigando-se então a passarem-se por simples seres humanos bestas, ao menos até encontrarem outros de sua mesma espécie para formarem alianças duradouras. É daí que surgem as verdadeiras e mundialmente reconhecidas "confrarias de metidos a besta"...


Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

Postagem original