domingo, 13 de julho de 2008

Noir no ar

Ao iniciar no novo emprego sentiu-se como numa daquelas histórias policiais noir. Numa do Raymond Chandler, mais especificamente. Tardes de calor intenso, e quase nenhum movimento no escritório de duas peças e banheiro. Freecell ao invés de xadrez, e água Timbú de galão no lugar de uísque.

Um sujeito entra, fanho e gago, procurando por alguma Rosinéia, ou Rosicléa. Uma fração de segundo antes de soltar o bordão: "Cem dólares mais as despesas", lembra-se que o trabalho de um recepcionista não inclui buscar pessoas desaparecidas. Com a postura cortês exigida por sua função, desculpa-se por não poder ajudar e indica a loja da frente como possível fonte de informações.

Distrai-se adivinhando a profissão e o destino das pessoas. Moto boys com encomendas para o escritório de contabilidade ao lado - talvez seja só fachada; gente bem tratada chegando à agência de turismo no segundo andar. Sua esperança é ver surgir à sua porta alguma mulher-fatal, fazendo biquinho enquanto demonstra em que nível está seu francês.

Sente-se capaz de apostar que, feita uma pesquisa rigorosa na França, a quantidade de bichas por metro quadrado será maior que a média do restante da população mundial, em relação direta com a língua pátria. Mais ou menos como se o mundo fosse o Brasil e a França fosse o Rio de Janeiro. Especula então sobre a Bahia. Provisoriamente, pensa identificá-la com a Argélia. Mas certeza mesmo, apenas de que o Rio Grande do Sul é a Alemanha.

Assim como Philip Marlowe nos Estados Unidos do século passado, também ele sente-se realizado ao resolver questões de suma importância por um preço quase irrisório. O homem deve seguir sua vocação.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

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