Era com o matraquear agourento das curucacas que despertava a cada manhã, imediatamente consciente da própria maldade e do poder de sua magia. Um mal necessário, a única força capaz de conceder-lhe a tão almejada imortalidade.
Corpo seco nutrido pelo ódio e conservado em desespero qual espécime preservado em formol, há muito que se distanciara da lógica ou pulsões humanas, sendo portanto mais uma intuição do que uma dedução o que lhe fez ver que algo ia mal, que o desgaste da conservação da própria existência superava já a longevidade gerada pelos sacrifícios e rituais, afetando a memória que habitava a carcaça imperecível.
Ciente da concordância de toda a infinita malha que compunha seu “self”, acusou seu aceite à negociação há tanto protelada, atravessando logo em seguida os portões do inferno. Resquícios da agonia decorrente do pequeno acerto de contas que aí então teve lugar podem ainda ser percebidos, quase como hoje se percebem as convulsões e estertores do nascimento ou morte de massas estelares incomensuravelmente distantes.
Assim foi que, em nome da consciência plena que caracteriza as formas superiores de vida, entregou-se uma vez mais à única força existente capaz de preservá-la na integralidade exigida pela multiplicidade de suas formas, purgando através da dor tudo que pudesse constituir-se em empecilho à continuidade de seu existir.
Ao final do processo, infinitas partículas de si nadaram seu nado sincronizado em estreitos fachos de luz que irromperam através de todas as eras, épocas, espaços, tempos, planos, dimensões e universos, felizes por sequer saberem que nunca mais se reconheceriam ou poderiam reconhecer, como, aliás, ainda não se reconhecem...
Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves